quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Vale dos Sentimentos.

Era uma terça-feira, ao entardecer. A professora deixava a escola, viu Christian sentado na calçada. Parecia bravo, então ela foi até ele.
_Ué?! Ainda está aí, Christian?_ Disse ela_ A aula já acabou faz tempo! Por que você não vai ao condomínio com os seus amigos?
_Ah... Não tô com muita vontade!_ Olhando para longe, ele disse_ E nem de sair com os cachorros... De tomar sorvete... De ir pro shopping com a galera hoje à noite..._Ele parou por um instante, e depois voltou a falar com rispidez e frieza_ Ainda mais por que ela deve ir com ele!!
_Ela?! Ela, quem?_Perguntou a professora.
_A Mariana, professora! Quem mais?_ disse ele, levantando do chão_ Sabe que ontem à tarde eu peguei ela na maior cara-de-pau dando mole pro Carl, aquele garoto novo da outra turma?!
_Tem certeza? Será que eles não estavam só conversando?
_Não sei! Só de pensar nisso me dá raiva!!
_Então você não vai falar com ela?
_Nunca! Tô “bolado” demais!_Disse ele, se sentando novamente.
_É?! Pois saiba que essa raiva que você está sentindo_ a professora se sentou_ tem muito a ver com orgulho, teimosia, mágoa..._Christian fitou-a como se a palavra que seria dita por ela fosse uma sentença_...Amor.
Ele se retraiu e olhou as formigas que carregavam os farelos de um biscoito, todas em sintonia frenética. Retrucou então:
_Amor?! O que é que a raiva tem a ver com o amor?_ Perguntou, cutucando as formigas com um graveto.
_Muita coisa!_disse ela, tirando o graveto da mão dele_ Vou contar uma história para você! De um lugar chamado "Vale dos Sentimentos".
_Coisa de criança...
_É lá que moravam todos os sentimentos do mundo! Cada qual com seu nome. Alegria, riqueza, sabedoria, determinação... E, apesar de serem tão diferentes, se davam muito bem! Até os sentimentos como Orgulho, Tristeza, Vaidade não tinham problemas entre si. Mas era lá no fundo do vale, na ultima das casinhas, que morava o sentimento mais bonito de todos! Era o amor! Ele era tão bom... Que, quando os outros sentimentos chegavam perto dele, ficavam mudados! Porque sabiam que, dentre eles, o amor era o melhor! Porém... No mesmo vale, num lugar mais afastado... Havia um castelo. E lá também morava um sentimento que não tinha nada de bom... Era a raiva! E a raiva, de tão ruim que era, não gostava dos outros moradores do vale! Por isso, quando acordava de mau humor, ela fazia de tudo para estragar a beleza do lugar. Certo dia, teve uma idéia! Foi até o calabouço e passou dias trabalhando em uma poção. A fumaça da poção tomou conta do lugar... E do vale! E se transformou numa tempestade como nunca se tinha visto antes...
_Peraê! Ô, professora, pópará! Como a senhora quer conversar comigo falando de fadinhas e bruxas?!
_Christian, se você deixar a sua inocência, seu lado infantil tomar conta de você por alguns instantes, iria se surpreender com o quanto as coisas iriam melhorar... Posso continuar a história?
_Tá, mas chega de firula, faz favor!
_Então... Como eu estava dizendo... Quando o vale se encheu de raios, chuva e vento, todos correram para se proteger. O egoísmo foi o primeiro a se esconder, deixando os outros para tráz. A alegria deu risadas de alívio por ter se salvado. A riqueza recolheu tudo o que era seu antes de se abrigar...
_Deixe-me ver, e o amor ficou que nem um idiota parado amando a chuva, né?
_Não! Na verdade, todos conseguiram chegar em suas casas... Menos o amor. Ele estava tão preocupado com os outros sentimentos que que acabou esquecendo de procurar abrigo...
_Viu só?! Isso que dá ser um sentimento bobo...
_Chega de interrupções! Deixe-me continuar a história! Uma coisa muito ruim aconteceu! A raiva deu sua tarefa por cuprida e foi dormir. Quando a tempestade passou, os sentimentos puderam abrir as janelas, aliviados. Mas ao sairem, eles sentiram algo diferente no ar. Algo que nunca tinham sentido antes. Foi então que eles viram... “O que aconteceu com o amor? Ele não se mexe!”. Nisso, a tristeza pôs-se à chorar! O orgulho não aceitava, disse que era mentira. A riqueza disse que era um desperdício. E a alegria, pela primeira vez, não sorriu. Foi aí que uma coisa muito estranha começou à acontecer. Os sentimentos começaram a ter desavenças. Por que, sem o amor para uni-los, as diferenças apareceram. A situação já estava bem ruim quando eles repararam que estavam sendo observados...
_Veio a treta... ehehe
_...Alguém que eles nunca tinham visto antes. Então, o estranho se ajoelhou na frente do amor, tocou-o com calma... E ele abriu os olhos.

“Ele não morreu! O amor não morreu!!” Gritaram os outros sentimentos. Foi aí que todos puderam ver o rosto do estranho, ele era ela, e se chamava tempo. Todos comemoraram por que o amor estava vivo. E sempre vai estar.
_Por que o amor parece comigo nesse desenho?
_Por que você faz parte de um clichê da sociedade. O amor vai estar sempre vivo por que não há nada que acabe com o amor tendo o tempo ao seu lado. E a paz ainda reina no Vale dos Sentimentos... E... Ué?!_Disse ela enquanto Christian se levantava_ Onde você vai?
_Vou encontrar o tempo e fazer do meu amor pela Mariana, eterno. Obrigado, professora.
_Ai, ele foi embora sem nem ouvir o final da história... Ah! Querem saber o que aconteceu? Eles se casaram e tiveram três filhos: Experiência, Perdão e Compreenção. Eaté hoje moram no Vale dos Sentimentos, localizado... lá. No fundo do coração.


Adaptado da revista Chico Bento, nº 6919, editora Globo, 1999.
Nenhum dos nomes citados acima foram citados à toa. Então sua aparição não é mera coincidência.
Beijos

Mariana Saratt

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